Para além das suas praias e paisagens paradisíacas, Cabo Verde partilha com o mundo um tesouro cultural. A morna cabo-verdiana é uma melodia embriagante que encerra em si a essência do arquipélago. Mais que um género musical, a morna é o reflexo da alma dos cabo-verdianos, repleta de histórias que falam sobre a saudade e o dia a dia das ilhas.
A morna em retrospetiva: das raízes tradicionais ao reconhecimento internacional
A morna é a voz de um povo insular, que através do som do violão ecoa sentimentos profundos de saudade e de nostalgia. Enraizada na alma cabo-verdiana, esta música envolve o coração, transmitindo a “morabeza” – a hospitalidade e o calor característicos dos cabo-verdianos.
São os ritmos lentos, letras poéticas e uma melodia melancólica que compõem a essência deste género, que é quase um abraço musical, cheio de emoções e de histórias por contar.
Na Ilha do Fogo, casal a dançar ao som de uma morna
Com raízes profundas, a morna nasceu entre as ilhas da Boa Vista e da Brava, há cerca de 200 anos, numa mistura de influências africanas, portuguesas e latino-americanas. Com o tempo, expandiu-se por todo o arquipélago, transformando-se num símbolo da cultura cabo-verdiana.
Cada ilha acrescentou um toque particular, enriquecendo o género e moldando-o até à morna que conhecemos hoje.
A morna ultrapassou fronteiras, ganhou o mundo e a merecida classificação da UNESCO, como Património Cultural Imaterial da Humanidade. Este reconhecimento internacional colocou Cabo Verde no mapa cultural e honrou um género que não apenas conta histórias, mas também preserva a memória de um povo.
As lendas da morna: compositores e intérpretes que marcaram a história
Maria Barba, a cantadeira pioneira
Natural da Ilha da Boa Vista, Maria Barba é uma figura emblemática na história da morna, reconhecida como sendo uma das pioneiras.
Barba conseguiu capturar a essência da saudade cabo-verdiana numa época em que a morna ainda estava a consolidar-se como um género próprio.
O seu legado permanece como um símbolo de força e autenticidade cultural, que se revela através da paixão pela morna, influenciando gerações de músicos cabo-verdianos.
Homenagem a Maria Barba, na Povoação Velha, onde nasceu, na Ilha da Boa Vista
Eugénio Tavares, o poeta da morna
Considerado o maior poeta da morna, Eugénio Tavares, nascido na Ilha da Brava, deu voz a sentimentos profundos de amor, saudade e perda e elevou a morna a um patamar literário e cultural que a consolidou como símbolo nacional.
A sua poesia capturou a alma do povo cabo-verdiano, transformando-o numa figura essencial para a compreensão da morna.
As suas letras ainda hoje são cantadas e continuam a transmitir uma grande intensidade emocional.
Homenagem a Eugénio tavares, em Nova Sintra, na Ilha da Brava
B. Leza e as inovações musicais
Natural da Ilha de São Vicente, Francisco Xavier da Cruz, mais conhecido como B. Leza, trouxe inovação para a morna, adicionando acordes e harmonias complexas que enriqueceram o estilo musical.
B. Leza é lembrado pela sua ousadia em modernizar o género sem perder a sua essência. Com influências do fado e do samba, ele introduziu o chamado “meio-tom” brasileiro à morna, o que lhe conferiu uma nova textura e profundidade.
A sua abordagem revolucionária ajudou a moldar a evolução da morna, abrindo caminho para novas interpretações.
Cesária Évora, a rainha da morna
Natural da Ilha de São Vicente, Cesária Évora, com a sua voz inconfundível e interpretação inigualável, levou a morna aos palcos internacionais.
A sua interpretação da icónica “Sodade” tornou-se um hino da saudade cabo-verdiana, expressando uma melancolia e uma verdade emocional que a tornaram imortal na música.
A “diva dos pés descalços” não cantava apenas; ela sentia a morna, e, através dela, a música cabo-verdiana encontrou o seu lugar no coração de milhões de pessoas em todo o mundo.
Cesária Évora em palco
Fotografia: Nuno Fox / Global Imagens Via: Delas
Mornas emblemáticas que marcaram gerações
Imortalizada por Cesária Évora, “Sodade” é o hino da morna, que dá voz à emoção da saudade. Esta canção capta o sentimento universal da ausência e do desejo de reencontro. Não há coração que permaneça indiferente ao ouvir esta melodia que conquistou o mundo.
Músicas icónicas como “Força di Cretcheu”, “Mi Ma Mi”, “Porton d nos ilha”, “Caminho de Mar”, “Maria Bárba”, “Rocha Scribida”, e tantas outras, abriram a todos uma janela para a alma do arquipélago, transportando-nos para as ruelas, bares e praças de Cabo Verde.
Como sentir a morna em Cabo Verde
Museus e centros de cultura
Os museus dedicados à música em Cabo Verde oferecem uma viagem pela história da morna, com exposições e histórias de compositores e intérpretes.
Estes espaços são um ponto de encontro com a memória e a cultura cabo-verdianas:
- Casa da Morna Sodade, no Tarrafal, na Ilha de São Nicolau.
- Casa Museu Eugénio Tavares e Centro de Estudos da Morna, em Nova Sintra, na Ilha da Brava.
- Núcleo Museológico Cesária Évora, no Mindelo, na Ilha de São Vicente.
Núcleo Museológico Cesária Évora, no Mindelo, na Ilha de São Vicente
Casas de Morna
Em todas as ilhas há locais onde se pode ouvir a morna ao vivo, numa experiência íntima e envolvente. Estas casas de música mantêm viva a tradição, sendo paragens obrigatórias para quem deseja sentir a morna na sua plenitude.
Morna na Ilha do Fogo
Festivais e eventos dedicados à morna
Desde fevereiro de 2018, a morna passou a ser celebrada no dia 3 de dezembro, dia do nascimento do compositor e músico Francisco Xavier Da Cruz – B.Leza.
O Morna Fest ou o Sodadi Festival d´Morna, realizado anualmente na Ilha de São Nicolau, são exemplos de celebrações locais que reúnem músicos locais e internacionais para homenagear a morna.
Fora de Cabo Verde, um pouco por todo o mundo, também há festivais que celebram a morna, reforçando o seu impacto global e permitindo que mais pessoas experimentem esta música encantadora.
Morna: mais que música, uma forma de ser
A morna é mais que um estilo musical; é uma manifestação cultural que resume a essência de Cabo Verde. É o símbolo de uma identidade, da resistência e da memória coletiva.
Além da arte, é uma expressão do espírito cabo-verdiano, uma forma de comunicação que aproxima as pessoas e conta a história de um povo resiliente, sempre ligado às suas raízes.
Em Cabo Verde, terá oportunidade de sentir a morna na sua essência mais pura. Seja nos restaurantes e bares com música ao vivo, seja nas casas e centros culturais que preservam a memória daqueles que contribuíram para que a morna chegasse a todo o mundo.
Planeie a sua viagem para Cabo Verde e sinta a morna na sua essência.